quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Emburrecimento

Preciso entrar no campo do desagradável. Não costumo fazer isso, mas o assunto sobre o qual quero esboçar um comentário não me sai da cabeça. Faço hoje também, talvez, por ter sido despertado as 6h da manhã pelo alarme do condomínio que avisava que um egocêntrico vizinho saíra sem observar nossa segurança ou nosso sono, deixando o portão externo aberto.

Não tenho nada contra artistas que buscam outras sendas para experimentar. Atores-escritores, cantores-atores, diretores-atores-escritores... não interessa! Acho que talentos há para serem explorados. Lembro de uma interpretação de Marília Pêra para "Amendoim torradinho" que é deliciosa! Carmen (Miranda) fazia muito bem todo o showbiz - o Ruy Castro diz que ela haveria de rir da Madonna, tão grande ela era. A Amy Irving, ex-senhora Bruno Barreto, deu espetáculo dublando "Why don't you do right" pra Jessica Rabbit. Muita gente boa de serviço "brinca de ser" outra coisa: Hugh Laurie, Soledad Pastorutti, Evandro Mesquita, Fábio Jr... Até o Shat, que não canta nada e não tenta enganar ninguém, gravou um disco divertido demais, produzido por Ben Folds.

Não é por isso que tenho que engolir uma atriz global miando no domingo à tarde como se fôsse cantora. A mim soa como se apontassem o dedo no meu nariz e dissessem que sou um chimpanzé. Não é chamar de idiota; é assumir que não tenho nenhuma capacidade de raciocínio, que ando por aí a babar no canto, acéfalo. O apresentador que tanto preza "gente que sabe fazer ao vivo", que aplaude iniciativas como a do MV Bill, que sempre defende "talentos extraordinários", "grandes figuras tanto no pessoal quanto no profissional", deixa que uma amiga de longa data defeque em nossas já combalidas dignidades sua total falta de bom senso. Parece coisa de governo despótico que quer provocar o emburrecimento total da população, suplantando cultura de fato com lixo (que nem tanto de disfarça). Que grave o CD tudo bem: é fácil, é divertido. É até barato. Mas expôr essa atrocidade na TV como se fôsse cultura... Até o Justus foi mais discreto com a brincadeira dele!

O que me chateia mesmo é que entendam, aqueles que consomem, que não há consequências pra esse empobrecimento. Pelo mundo todo parece haver um movimento pelo emburrecimento da população: na Itália vão reduzir vagas nas universidades públicas, Sarah Palin vira "elite intelectual" nos EUA. Botecos-universidade espalhadas Brasil a fora servem o que o freguês quiser. Na música popular, basta colocar um background musical pra uma bunda e pronto! Sucesso instantâneo! Esse rock 'n' roll insosso, que fala de pôrra nenhuma - e é isso mesmo! -, tão alheio a tudo, alimentando uma geração que TÁ POUCO SE FUDENDO! Logo, todo mundo vai resolver problemas assim, dando facada por ser contrariado em questões importantes como notas baixas e corações partidos.

Não sou otimista nesse aspecto. Acho que caminhamos pra uma crise sem precendentes, algo como uma barbárie ainda maior do que a que vemos um pouco todo dia por aí. É capaz, então, da gente começar a aprender de novo - já que é costumeiro que tenhamos pouca memória, o que é fundamental pro empobrecimento cultural e intelectual de uma nação. A gente gosta mesmo é dos ídolos transitórios e irrelevantes. Gente que surgiu hoje e some amanhã. Nos crânios que ostentamos orgulhosos, vaidosos de nossa evolução (que temos certeza, faz inveja á toda criação), descansa um músculo inerte, virando iguaria em conserva para o consumo de uns poucos. Se, ao menos, nossas vidas fizessem parte de um jogo de futebol...